A educação escolar, tal como a conhecemos, habitando as salas de aula e depois como profissionais da educação, se constitui acima de tudo como um mecanismo de imposição de uma cultura sobre outras. Ao procurar no dicionário o significado da palavra “educação” nos deparamos com os seguintes verbetes: 1 - Dar educação a; 2 - Criar e adestrar (animais); 3 - Cultivar (plantas); 4 - Adquirir os dotes físicos, morais e intelectuais que dá a educação. (https://dicionariodoaurelio.com/educacao).
Poderia parecer dramático ou exagerado, não fosse algo sentido cotidianamente dentro das escolas, isso não significa, porém, que não haja projetos divergentes dessa lógica. De qualquer forma, qualquer que seja o significado analisado podemos dizer que sim, a instituição escolar da forma como foi projetada cumpre um papel preponderante na busca de “criar, adestrar, cultivar e impor padrões físicos, morais e intelectuais” e por mais bem intencionado que isso possa parecer, a realidade é que, como projeto institucional, a escola tem prestado um serviço relevante à dominação.
Sabemos que “educação” nunca esteve dissociada de “cultura”, ocorre que existe nos currículos naturalizados uma cultura eleita como padrão a ser atingido. Podemos dizer, sem receio, que essa cultura é branca, patriarcal, heteronormativa e judaico cristã, sendo produto de uma construção ocidental que se impôs por meio da desqualificação de todas as outras formas de aprendizagens, representativas de tantas outras culturas silenciadas e usurpadas.
Com tudo isso, quero dizer simplesmente que fomos roubadas(os), que fomos privadas(os) de conhecimentos e relações existentes nas culturas que nos constituem. Que na nossa trajetória escolar, salvos esforços individuais, nos ensinaram a ter vergonha de quem nós somos e que ao nos colocarmos diante de uma “turma” numa sala de aula e dizer: viemos aqui para educá-las(os), para lhes ensinar “a ser gente” estamos cumprindo exatamente o papel estabelecido pelo projeto civilizatório ocidental atribuído à instituição escolar.
Dessa forma, falar de “Educação e Culturas Periféricas” significa reinventar espaços e formas de aprendizagem, ressignificar as relações e currículos e buscar o reencontro com nós mesmas(os). Para tanto, a pergunta inicial é: Quem somos? Quem são as pessoas a quem desejamos ensinar algo?
A grande maioria das pessoas que compõe as comunidades escolares das instituições públicas de Educação Básica de São Paulo, nasceram, cresceram e vivem nas periferias e mesmo assim sendo, outras questões fundamentais raramente são feitas: O que são as periferias de São Paulo? Quais são as culturas presentes nessas periferias? Qual a importância dessas culturas para o desenvolvimento pleno das aprendizagens das pessoas que aqui estão? De que forma as diferenças podem ser pensadas como potencialidades e não como desigualdades?
Não é difícil responder a essas questões, um passeio atento pelos bairros pode evidenciar uma realidade silenciada pelos currículos escolares: somos, na nossa maioria, negras(os), afro indígenas, nordestinas(os) e suas/seus descendentes. Logo, outra pergunta se faz presente: A quem interessa nos fazer esquecer quem somos?
Portanto, pensar uma educação que possa subverter a sua lógica inicial, não será possível sem a aproximação e integração com pessoas que atuam nos territórios, pessoas essas que travam historicamente lutas contra o esquecimento e a favor das nossas identidades. A escola precisa e deve aprender com outros espaços e sujeitos de conhecimentos: Saraus, Movimentos de Moradia, Movimentos de Mulheres, Movimentos LGBTs, Movimentos Culturais da Periferia, Associações e Sociedades Comunitárias, HIP HOP, Coletivos de Educação Ambiental, Grupos Afros, Aldeias Indígenas, Redes Alternativas de Comunicação, Educação Popular, Terreiros e tantos outros…
Por incrível que pareça, sempre que falo a respeito dos conhecimentos ligados à nossa ancestralidade e à nossas identidades, aparece alguém perguntando: E os conhecimentos historicamente construídos pela humanidade? Então aprendi a responder com outra pergunta: Qual humanidade? Porque há pessoas e culturas que se quer foram tidas, pelos opressores, como humanas. E finalizo: Todos os conhecimentos são importantes, mas há aqueles que nos libertam!
Marilu Santos Cardoso - Mulher, negra e periférica, moradora do Jd. Ângela, professora e historiadora. Membro do Coletivo Educação e Culturas Periféricas: https://www.facebook.com/educacaoeculturasperifericas/
sexta-feira, 2 de junho de 2017
Educação e Culturas Periféricas
Historiadora e professora de Ensino Fundamental do Município de São Paulo.
Apaixonada por arte e pela vida. Vivo de acordo com a minha consciência, tenho fortes princípios e valores, dos quais não abro mão. Admiro a coerência e a integridade, não desejo conduzir e muito menos ser conduzida, apenas acredito na liberdade.
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