sábado, 12 de agosto de 2017

Manifesto Educação e Culturas Periféricas
“SP não é sopa; na beirada ferve.”
(título do último álbum da banda Aláfia)

Convidamos todas as pessoas que vivem na Zona Sul de São Paulo, especialmente nas periferias de M'Boi Mirim, Campo Limpo e proximidades para construírem o presente manifesto, que é um grito contra os múltiplos ataques e desmontes sentidos. Com a certeza de que precisamos denunciar as violações e exigir que nossos direitos sejam respeitados pedimos que preencham o formulário abaixo e que contribuam com a luta que é nossa.
Acesse o formulário online e participe dessa importante ação:

Considerações iniciais

Nós, moradoras e moradores das comunidades, profissionais da educação, membros das associações e coletivos dos territórios de M’Boi Mirim, Campo Limpo e adjacências, manifestamos nosso posicionamento e denúncias quanto ao projeto de sociedade que está sendo construído pelos atuais governos, projeto esse que se intensifica por meio dos desmontes e retrocessos que estamos vivendo nos últimos tempos.

Sentimos na pele o efeito do descaso e da falta de políticas públicas que garantam os nossos direitos. Sofremos cotidianamente as violências que para nós são muito mais que dados estatísticos:

- a negação do direito ao lazer e a falta de valorização das culturas locais e vivências comunitárias, sentidas de modo muito duro por noss@s bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos, que se traduz no desprezo às linguagens e manifestações culturais produzidas pela população periférica; na distribuição escandalosamente desigual de recursos públicos para a produção de cultura. As políticas públicas de cultura sempre precarizaram, em maior ou menor proporção, as produções periféricas. Isso não impediu a constituição de um movimento forte e representativo de cultura, presente nos saraus, nas posses de hip-hop, nos coletivos ambientais, feministas, de economia solidária entre outros. No entanto, a criação de obstáculos para o acesso aos recursos viola o direito de todos à cultura.

- A falta de recursos e condições necessárias ao pleno desenvolvimento das aprendizagens nas escolas públicas municipais e estaduais, assim como o desrespeito à formas de educação popular, como por exemplo com o MOVA. O sucateamento, as tentativas de controle e a busca de desqualificação que, evidentemente, intencionam a privatização do ensino e a instituição de currículos tecnicistas e desumanizantes, sem qualquer preocupação em superar a concepção machista, racista, classista, LGBTfóbica e eurocêntrica de mundo historicamente sedimentada e culturalmente reproduzida. O desmonte das políticas sociais, em especial as políticas de educação que, com muita luta e mobilização, foram construídas, justificadas e planificadas em documentos nacionais como a própria Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação. As políticas públicas nacionais e locais de educação já deixavam a desejar quanto à cobertura de atendimento (haja vista por exemplo o movimento de mães e entidades pela extensão do direito à educação infantil efetivamente para todas as crianças, ou a luta pela especificidade da educação no campo) e buscavam alcançar metas de qualidade social da educação (induzindo por exemplo a efetivação das leis 10.637/02 e 11.645/08, ao considerar as matrizes africana e indígena para a organização do currículo, ou fomentando a gestão democrática e políticas de educação integral por meio de capacitações e destinações específicas de verbas). Com a Emenda Constitucional 55 promulgada em dezembro de 2016 (que freia o aumento de investimento em políticas sociais) o arcabouço de políticas estruturantes de um Sistema Nacional de Educação que vise equidade, integralidade e qualidade para todos se torna inviável. O efeito desta precarização se faz e se fará sentir especialmente em nossas periferias, onde as políticas públicas de educação são mais necessárias e indutoras da melhoria de condições de vida da população: na diminuição e perda da qualidade das vagas em creches e na educação infantil; no fechamento de vagas na educação de jovens e adultos; na restrição das políticas de educação integral e de articulação territorial; na supressão de disciplinas no currículo do ensino médio, acarretando especialização precoce e restrição dos percursos de formação de nossos jovens; na privatização da gestão e currículo e na submissão do atendimento de nossos bebês, crianças, jovens, adultos e idosos a uma lógica de redução de custos.

-A extrema desigualdade na aplicação dos recursos públicos entre as regiões do centro da cidade e as regiões mais periféricas como no caso de M’ Boi, Campo Limpo e Capela do Socorro e a não efetividade da Lei das Subprefeituras (Lei 13.399/2002) acabam por afetar negativamente sobre as condições de vida dos moradores. Isto que se intensifica pela ausência ou precariedade da rede de equipamentos e serviços públicos nos territórios mais vulneráveis e a impossibilidade de uma participação e controle social mais adequada feito a partir das periferias, o que por sua vez coloca a população refém dos mandos/desmandos de determinados agentes políticos desinteressados com o bem comum e avanço das políticas substantivas para alteração da difícil realidade dos periféricos.

- as mortes de nossos familiares, amig@s, alun@s, por meio das chacinas que só ganham as páginas dos jornais quando a quantidade de mortos estabelece recordes. Nessas ocasiões, a população nunca é comunicada de forma realista sobre as vidas perdidas na violência, levando à naturalização dessa, inclusive entre nós mesm@s, além de não existir investigação e justiça, reparação, indenização, acolhida e acompanhamento psicossocial aos familiares. A comoção é seletiva: “a carne negra continua sendo a mais barata do mercado”;

- Os genocídios também são promovidos pela ausência de políticas públicas de valorização da vida, como, por exemplo, educação, saúde, assistência social, direitos humanos, moradia, mobilidade, geração de renda, cultura, esporte e lazer; Isto se intensifica nos territórios onde as desigualdades e injustiças são mais incidentes e onde se concentram o maior número de pessoas negras e indígenas, especialmente, nos bairros do extremo sul, oeste, leste e norte da cidade. Outras violações de direitos humanos nas periferias ocorrem em decorrência da criminalização da pobreza e da violência sistemática contra as mulheres e a população LGBT. Denunciamos aqui o Feminicídio e todas as demais formas de extermínio em virtude de identidade de gênero ou orientação sexual!

- o desespero de mães com filhos nos braços, por falta de hospitais e serviços de diagnóstico rápidos que possibilitariam salvar vidas, assim como o adoecimento provocado pela falta de serviços de saúde adequados em quantidade e qualidade para atender à população de aproximadamente 1 milhão e 200 mil pessoas, nos privando da possibilidade de cura e acesso à saúde preventiva;

- a existência, ainda em 2017, de esgoto a céu aberto e crianças sendo mordidas por ratos. Realidade dura de várias quebradas na Zona Sul.

- ônibus lotados, trajetos de mais de 3 horas, caminhadas de quilômetros a pé para vencer os congestionamentos, veículos precários e não acessíveis a idosos, pessoas com deficiência, mulheres grávidas... Ainda há lugares em que não há linhas de ônibus, sem falar na infinidade de Terminais pelos quais passamos para poder chegar ao Centro e da falta de linhas que possam ligar um bairro a outro.
- a luta por moradia no nosso território, contra a lentidão com que chega a regularização dos terrenos, sempre utilizada a favor da especulação imobiliária, levando a exclusões consecutivas. Isso tudo corresponde a um projeto de cidade que empurra os pobres para as franjas, projeto ao qual sobrevivemos somente por meio de nossas experiências aprendidas com nossos pais e avós: mutirão, solidariedade, coletividade, comunhão...
Coletivo Educação e Culturas Periféricas

Participe do nosso próximo encontro:

A imagem pode conter: 1 pessoa, texto

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar