Manifesto Educação e Culturas Periféricas
“SP não é sopa; na beirada ferve.”
(título do último álbum da banda Aláfia)
Convidamos todas as pessoas que vivem na Zona Sul de São Paulo, especialmente nas periferias de M'Boi Mirim, Campo Limpo e proximidades para construírem o presente manifesto, que é um grito contra os múltiplos ataques e desmontes sentidos. Com a certeza de que precisamos denunciar as violações e exigir que nossos direitos sejam respeitados pedimos que preencham o formulário abaixo e que contribuam com a luta que é nossa.
Acesse o formulário online e participe dessa importante ação:
Considerações
iniciais
Nós,
moradoras e moradores das comunidades, profissionais da educação,
membros das associações e coletivos dos territórios de M’Boi
Mirim, Campo Limpo e adjacências, manifestamos nosso posicionamento
e denúncias quanto ao projeto de sociedade que está sendo
construído pelos atuais governos, projeto esse que se intensifica
por meio dos desmontes e retrocessos que estamos vivendo nos últimos
tempos.
Sentimos
na pele o efeito do descaso e da falta de políticas públicas que
garantam os nossos direitos. Sofremos cotidianamente as violências
que para nós são muito mais que dados estatísticos:
- a
negação do direito ao lazer e a falta de valorização das culturas
locais e vivências comunitárias, sentidas de modo muito duro por
noss@s bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos, que se
traduz no desprezo às linguagens e manifestações culturais
produzidas pela população periférica; na distribuição
escandalosamente desigual de recursos públicos para a produção de
cultura. As políticas públicas de cultura sempre precarizaram, em
maior ou menor proporção, as produções periféricas. Isso não
impediu a constituição de um movimento forte e representativo de
cultura, presente nos saraus, nas posses de hip-hop, nos coletivos
ambientais, feministas, de economia solidária entre outros. No
entanto, a criação de obstáculos para o acesso aos recursos viola
o direito de todos à cultura.
- A
falta de recursos e condições necessárias ao pleno desenvolvimento
das aprendizagens nas escolas públicas municipais e estaduais, assim
como o desrespeito à formas de educação popular, como por exemplo
com o MOVA. O sucateamento, as tentativas de controle e a busca de
desqualificação que, evidentemente, intencionam a privatização do
ensino e a instituição de currículos tecnicistas e desumanizantes,
sem qualquer preocupação em superar a concepção machista,
racista, classista, LGBTfóbica e eurocêntrica de mundo
historicamente sedimentada e culturalmente reproduzida. O desmonte
das políticas sociais, em especial as políticas de educação que,
com muita luta e mobilização, foram construídas, justificadas e
planificadas em documentos nacionais como a própria Constituição
Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação. As
políticas públicas nacionais e locais de educação já deixavam a
desejar quanto à cobertura de atendimento (haja vista por exemplo
o movimento de mães e entidades pela extensão do direito à
educação infantil efetivamente para todas as crianças, ou a luta
pela especificidade da educação no campo) e buscavam alcançar
metas de qualidade social da educação (induzindo por exemplo a
efetivação das leis 10.637/02 e 11.645/08, ao considerar as
matrizes africana e indígena para a organização do currículo, ou
fomentando a gestão democrática e políticas de educação integral
por meio de capacitações e destinações específicas de verbas).
Com a Emenda Constitucional 55 promulgada em dezembro de 2016 (que
freia o aumento de investimento em políticas sociais) o arcabouço
de políticas estruturantes de um Sistema Nacional de Educação que
vise equidade, integralidade e qualidade para todos se torna
inviável. O efeito desta precarização se faz e se fará sentir
especialmente em nossas periferias, onde as políticas públicas de
educação são mais necessárias e indutoras da melhoria de
condições de vida da população: na diminuição e perda da
qualidade das vagas em creches e na educação infantil; no
fechamento de vagas na educação de jovens e adultos; na restrição
das políticas de educação integral e de articulação territorial;
na supressão de disciplinas no currículo do ensino médio,
acarretando especialização precoce e restrição dos percursos de
formação de nossos jovens; na privatização da gestão e currículo
e na submissão do atendimento de nossos bebês, crianças, jovens,
adultos e idosos a uma lógica de redução de custos.
-A
extrema desigualdade na aplicação dos recursos públicos entre as
regiões do centro da cidade e as regiões mais periféricas como no
caso de M’ Boi, Campo Limpo e Capela do Socorro e a não
efetividade da Lei das Subprefeituras (Lei 13.399/2002) acabam por
afetar negativamente sobre as condições de vida dos moradores. Isto
que se intensifica pela ausência ou precariedade da rede de
equipamentos e serviços públicos nos territórios mais vulneráveis
e a impossibilidade de uma participação e controle social mais
adequada feito a partir das periferias, o que por sua vez coloca a
população refém dos mandos/desmandos de determinados agentes
políticos desinteressados com o bem comum e avanço das políticas
substantivas para alteração da difícil realidade dos periféricos.
- as
mortes de nossos familiares, amig@s, alun@s, por meio das chacinas
que só ganham as páginas dos jornais quando a quantidade de mortos
estabelece recordes. Nessas ocasiões, a população nunca é
comunicada de forma realista sobre as vidas perdidas na violência,
levando à naturalização dessa, inclusive entre nós mesm@s, além
de não existir investigação e justiça, reparação, indenização,
acolhida e acompanhamento psicossocial aos familiares. A comoção é
seletiva: “a carne negra continua sendo a mais barata do mercado”;
- Os
genocídios também são promovidos pela ausência de políticas
públicas de valorização da vida, como, por exemplo, educação,
saúde, assistência social, direitos humanos, moradia, mobilidade,
geração de renda, cultura, esporte e lazer; Isto se intensifica nos
territórios onde as desigualdades e injustiças são mais incidentes
e onde se concentram o maior número de pessoas negras e indígenas,
especialmente, nos bairros do extremo sul, oeste, leste e norte da
cidade. Outras violações de direitos humanos nas periferias ocorrem
em decorrência da criminalização da pobreza e da violência
sistemática contra as mulheres e a população LGBT. Denunciamos
aqui o Feminicídio e todas as demais formas de extermínio
em virtude de identidade de gênero ou orientação sexual!
- o
desespero de mães com filhos nos braços, por falta de hospitais e
serviços de diagnóstico rápidos que possibilitariam salvar vidas,
assim como o adoecimento provocado pela falta de serviços de saúde
adequados em quantidade e qualidade para atender à população de
aproximadamente 1 milhão e 200 mil pessoas, nos privando da
possibilidade de cura e acesso à saúde preventiva;
- a
existência, ainda em 2017, de esgoto a céu aberto e crianças sendo
mordidas por ratos. Realidade dura de várias quebradas na Zona Sul.
-
ônibus lotados, trajetos de mais de 3 horas, caminhadas de
quilômetros a pé para vencer os congestionamentos, veículos
precários e não acessíveis a idosos, pessoas com deficiência,
mulheres grávidas... Ainda há lugares em que não há linhas de
ônibus, sem falar na infinidade de Terminais pelos quais passamos
para poder chegar ao Centro e da falta de linhas que possam ligar um
bairro a outro.
- a
luta por moradia no nosso território, contra a lentidão com que
chega a regularização dos terrenos, sempre utilizada a favor da
especulação imobiliária, levando a exclusões consecutivas. Isso
tudo corresponde a um projeto de cidade que empurra os pobres para as
franjas, projeto ao qual sobrevivemos somente por meio de nossas
experiências aprendidas com nossos pais e avós: mutirão,
solidariedade, coletividade, comunhão...
Coletivo Educação e Culturas Periféricas
Participe do nosso próximo encontro:
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